Colimar: Carta ao Escritor Ininteligível
Quando lemos alguns textos podemos lobrigar escritos mais rebuscados pelo que, de mim, urge fazer uma colimação. Não tem esta a finalidade de admoestar, nem de aguilhoar os que pensam diferente, mas acredito ser necessária uma continência no uso de palavras anômalas em textos que pretendem atingir um maior número de pessoas. É certo que pode, a palavra menos comum, servir de liame a um pensamento claro, quando se pretende dulcificar o texto, mas muitas vezes é preciso precatar-se em tal situação: há que librar o texto, num cuidar para que não seja necessário refocilar o interesse do leitor, mantendo parâmetros de diegese. Entretanto, quando ocorre uma profusão de filigranas, o escritor, cúpido de demonstrar que tem cognição acentuada da língua, acaba por inumar o entendimento (cada palavra obscura, é um óbice à fluência da leitura) e o leitor, como se empregasse quase como uma vindita mental, porque talvez se sinta vilipendiado (o escritor parece vituperar), manifesta torpor como se o texto fosse um soporífero. Assim, um leitor mais assíduo, que é um glutão, acaba por encontrar-se com o fastio, terminando exânime e conclui baldado seu interesse.
Por isso, sem procrastinar, envido meus esforços no sentido de que esse texto sirva como transunto, representando o evitável, para que não transpareça o escritor constituir arrogância de retórica, transpirando que possa meter um vernáculo para sofismar a ausência de conteúdo ou, talvez, como simulacro da impropriedade do assunto, dado que, quando assim proceda, suscitará por tisnar sua reputação além de acabar por infirmar o dito, daí ser necessário, sempre que possível perlustrar a si mesmo. Em alguns casos, depreende-se que o escritor, buscando esconder que é tíbio, foge do vocabulário trivial e aí pululam verbetes que promanam sem reparos. Embora possa encontrar um séquito de prosélitos, profitentes dessa forma de expressão, a querer homiziar a ausência de fulcro, urge (também) a atenção para rememorar que o leitor mais pertinaz busca para si uma compreensão que ocorra num átimo e muitas vezes pode se deparar com algo que lhe pareça estulto, configurando o escritor como pusilânime. Se, acaso, for vontade do escritor querer demonstrar-se como se tivesse atingido o zênite, quem sabe por querer jactar-se, pode chegar, no máximo, à gloríola. Além disso, por exemplo, textos de alegria ou felicidade, acabam se tornando lúgubres, provocando como que uma modorra, ocorrendo um efeito inverso, que redunda menoscabar a escrita e obnubilar o escritor, por mais verossímil que seja. É fato que o conjunto de vernáculos é um manancial quase que inesgotável, mas ser prolixo nos termos mais obscuros causa ser extemporâneo, e não serve para coonestar os pensamentos. Utilizemo-nos, então, de termos mais comezinhos para, aí sim, medrarmos leituras compreensíveis e agradáveis. Glossário admoestar= repreender, advertir aguilhoar=ferir com aguilhão anômala=(que apresenta anomalia=desvio acentuado de um padrão normal) átimo=instante, momento, em curto espaço de tempo baldado=frustrado, inútil, malogrado cognição=aquisição de um conhecimento colimar=mirar, visar, observar, tornar paralelo a determinada linha ou direção continência=moderação, comedimento coonestar=honestar, legitimar, reabilitar, atenuar, desculpar cúpido=desejoso, ávido, ambicioso diegese= conjunto de ações que formam uma história narrada segundo certos princípios cronológicos dulcificar=tornar doce, adoçar, edulcorar, abrandar, mitigar,suavizar estulto=insensato, néscio, parvo, tolo exânime=sem alento, desmaiado, morto extemporâneo=impróprio da ocasião em que se faz ou sucede, inoportuno fastio=falta de apetite, aborrecimento, tédio, aversão, repugnância fulcro=sustentáculo, apoio, amparo, ponto de apoio de uma alavanca gloríola=pequena glória, sem muito valor, boa reputação injustificada glutão=que, ou o que come muito e com avidez homiziar=dar guarida, esconder, esconder à ação da justiça, fugir à justiça infirmar=enfraquecer, anular, invalidar ininteligível=que não é inteligível, incompreensível, obscuro, misterioso inumar=sepultar, enterrar (cadáveres) jactar=gloriar-se, ufanar-se, vangloriar-se, ter jactância liame=tudo que serve para ligar librar=equilibrar, balancear, sustentar (no ar), fundamentar, fundar lobrigar=ver casualmente, entrever ao longe, notar, perceber lúgubre=relativo ao luto, que é sinal de luto, fúnebre, soturno, taciturno, triste, medonho, sombrio manancial=nascente de água, origem ou fonte abundante, gozo perene e duradouro, que mana ou corre incessantemente medrar=fazer crescer, desenvolver, incrementar, aumentar, fazer progredir, prosperar, avolumar menoscabar=reduzir a menos, adelgaçar, tornar imperfeito, depreciar, desacreditar, desdourar modorra=grande vontade mórbida de dormir, prostração mórbida, sonolência, dormência óbice=impedimento, estorvo, obstáculo obnubilar=obscurecer, turvar, enevoar perlustrar=observar, percorrer, examinar, investigar, perscrutar precatar=pôr(-se) de precaução, acautelar(-se) de, resguardar(-se) procrastinar=deixar para outro dia, adiar, usar de delongas profitente=o que professa promanar=brotar, dimanar, derivar, originar-se, nascer prosélito=adepto, partidário, pessoa que abraçou uma seita, uma doutrina, um partido pulular=multiplicar-se rápida e abundantemente, existir em grande número, brotar, nascer, romper pusilânime=de ânimo fraco, medroso, covarde refocilar=refazer, reconstituir, restaurar, revigorar retórica=exibição de meios oratórios, afetação de eloquência séquito=acompanhamento, cortejo, comitiva simulacro=aparência, imitação, aspecto enganador sofismar=enganar ou lograr através de sofismas, encobrir com razões falsas, destorcer um assunto, iludir soporífero=que produz sono, sonífero suscitar=fazer aparecer, produzir, promover, surgir tíbio=morno, fraco, frouxo tisnar=queimar, macular, manchar, escurecer torpor=entorpecimento, indiferença, embotamento transunto=cópia, retrato, imagem, modelo, exemplo trivial=sabido de todos, notório, comum, usado, corrente vilipêndio=grande desprezo vituperar=injuriar, aviltar, desprezar, desaprovar, censurar vindita=vingança, represália, retaliação verossímil=semelhante à verdade, provável PS: Esse texto é bem adequado aos profissionais da área jurídica que, no mais das vezes, utilizam-se de palavras rebuscadas, privando à maioria das pessoas de compreender os meandros da Justiça.
Joseph Shafan
Enviado por Joseph Shafan em 04/02/2009
Alterado em 04/02/2009 |