O espírito da poesia
Esse ritmo mói, é cor, é luz cal faz um sem termo pé reitor ver e meu íntimo rói, é dor, é cruz qual jaz num enfermo pó leitor ser. Joseph Shafan -- “O despertar do poeta O mundo atual nunca poderá entender plenamente o afeto que, vibrando-me dolorosamente as fibras do coração, me arrastava para as solidões marinhas do promontório, quando os outros homens nos povoados se apinhavam à roda do lar aceso e falavam das sua mágoas infantis e dos seus contentamentos de um instante. E que me importa a mim isso? Virão um dia a esta nobre terra de Espanha gerações que compreendam as palavras do presbítero. Arrastava-me para o ermo um sentimento íntimo, o sentimento de haver acordado, vivo ainda, deste sonho febril chamado vida, e de que hoje ninguém acorda, senão depois de morrer. Sabeis o que é esse despertar de poeta? É o ter entrado na existência com um coração que transborda de amor sincero e puro por tudo quanto o rodeia, e ajuntarem-se os homens e lançarem-lhe dentro do seu vaso de inocência lodo, fel e peçonha e, depois, rirem-se dele. É o ter dado às palavras – virtude, amor, pátria e glória – uma significação profunda e, depois de haver buscado por anos a realidade delas neste mundo, só encontrar hipocrisia, egoísmo e infâmia. É o perceber à custa de amarguras que o existir é padecer, o pensar descrer, o experimentar desenganar-se, e a esperança nas coisas da terra uma cruel mentira de nossos desejos, um fumo tênue que ondeia em horizonte aquém do qual está assentada a sepultura. Este é o acordar do poeta. Depois disso, nos abismos da sua alma só há para mandar aos lábios um sorriso de desprezo em resposta às palavras mentidas dos que o cercam, ou uma voz de maldição desabridamente sincera para julgar as ações dos homens. É então que para ele há unicamente uma vida real – a íntima; unicamente uma linguagem inteligível – a do bramido do mar e do rugido dos ventos; unicamente uma convivência não travada de perfídia – a da solidão.” Alexandre Herculano in “Eurico, o presbítero”, Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1969, p. 37. Joseph Shafan
Enviado por Joseph Shafan em 09/10/2010
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