Uma festa que se esvai (o último aprendizado)
Um problema é problema até a solução, como o necessário é o imprescindível. E para começar a resolvê-lo é indispensável reconhecê-lo. Acolher a realidade, ver o caso, assumir a situação pessoal. Quando se tem ainda algum tempo útil, expectativa real ou suposta, a pedra estará no caminho, pois até que se cubra a brecha o espaço ficará impedido, como fosse distância de si mesmo.
Porque em um problema pessoal a honestidade grita em silêncios, mas os ouvidos do inconsciente, angustiados, clamam pelo já das causas apuradas com lisura. Assunto de interesse é escolha de prioridade nesta vida, pois inexiste obrigação no amor. A comodidade quer deixar o que está, tal caminhar com pedra no sapato impede o desfrutar do caminho, e essa rotina poderá ser fatal. A inércia acumula pesadelos, o que parece pronto se desmancha na tormenta oculta do pensamento quando o alicerce é relegado. Ao deixar-se o agora para depois, a motivação segue a pirambeira pois se empurra com a barriga e a chave é devolvida aos céus enquanto a porta ainda está na terra. O metano aos poucos sobe com o gás carbônico encobrindo a atmosfera; aí estão as causas das instabilidades. Na base, ocultas transformações envolvem partículas fundamentais do carbono em quatro ligações, o orgânico entra em decomposição. A crítica gratuita se instala, com o conflito o tom de voz sobe, se bate de frente, e se repete, em velocidades somadas das piadas cruéis, flechas no coração, os arrependimentos vêm depois, energias drenadas fazem ex-, fim da intimidade espiritual. A persona se torna estranha, o afeto faz-se inimigo, junta-se ao pinho rescendido o cheiro do alho enjoativo. Importuna presença, estorvo a cadência da voz, o som zumbe, caça a controle remoto no mute. Tudo que foi bom fica esquecido, o que se guarda e vai ficando é uma flacidez dos sentimentos. De pessoa especial a chata e milhões de outras são melhores, o lugar vaga mesmo presente, romantismo é exilado, frio no mais considerado valor. O alheio removerá um tédio, o virtual passa à existência, comunicar em isolamento, interessantes cliques em êxtase, fotos antigas constrangedoras. A interação se torna mínima, melhor um passear solitário, há coisas melhores para fazer. Futuro comum moribundo escondido nos assuntos banais num presente incômodo e planos comuns viram enfadonhos, objetivos incongruentes. Sonhos desunidos em ré maior, conversas serão aborrecidas pois que nunca será o momento. Remédio para dormir acordado com desacordos e menosprezos em alta. Nada é nada e não faz falta hoje, a preferência mora noutra freguesia, não há mais pressa de ficar juntos, em cantos opostos, canção morna. É a desconexão continuada, uma rede local que se desconecta e conecta repetidamente. Manhãs ficam entardecidas, noites sem abraços, sem paixão. Num infinito apequenado a adoração muda de lugar e vai daí que a felicidade transfigura conveniência. O cotidiano é tempo nulo, a vida muro das lamentações. A proximidade que encantava era estímulo de abraços e beijos. A atitude mudou para irritação, tenho sono, fome, sede e medo. Será que vale a pena refletir e reagir em relação a isso? Se houver um sim, é colocar-se tendo os pensamentos no lugar e entender se pretende estar ao lado de quem até certo dia já foi chamado cara-metade. Pois houve um tempo, um momento, um instante cheio de esperanças. Agora se sente o pior dos piores, numa outrora festa que se esvai. Se não, assim é isso? Então tá! Talvez até não mereça mais que isso.
Joseph Shafan
Enviado por Joseph Shafan em 29/11/2020
Alterado em 29/11/2020 |